Sentada à máquina, na varanda da casa onde moravam, na rua
Direita de Santo Antônio, perto da Cruz do Pascoal, ela costurava
uma calça jeans, grande e folgada, que ele, amigo e discípulo do marido,
trouxe para ela apertar e fazer a bainha. O marido, não se sabe bem, ou já
estava ali, ou acabara de chegar encontrando-os em plena paquera. Fez de conta
que não estava entendendo, ou por covardia, ou muito mais por achar humilhante
ter ciúmes diante das pessoas. Ele
falava de cinema. Os diretores
preferidos. Buñuel, Fellini, Godard, Glauber
Rocha e outros, dizia. Tentava impressioná-la, mostrando-se culto, conhecedor
das artes. Não era de ter ciúmes, logo percebeu que seu pupilo, falava meio
distraído, esforçando-se para esconder, o jogo de sedução. Sabia que o
mestre a conquistara por seus
conhecimentos. Fôra seu Pigmalião. Ela sua Galatéia, e
admirava homens cultos. Apesar de jovem, exibia cultura e refinamento,
embora feio, baixo, mulato pixaim, mas de belos olhos esverdeados, carregando
sempre um par de livros sob os braços, como a imitar o mestre. Dizia não ter, inicialmente, interesse por
cinema, mas influenciado por um amigo, de quem se orgulhava, sem
evidentemente dizer quem era,
passara a gostar da arte cinematográfica e a ele devia todo conhecimento
e experiência sobre cinema. O marido olhava e ouvia curioso e indignado. Como
pode ela ter tanto cuidado com a roupa
dele, se comigo era incapaz de pregar
um botão? Outro dia mesmo, saiu com a camisa faltando um. Ela não fazia a
menor questão. Tudo estava acontecendo como
se ele ali não estivesse. Que fiz eu para merecer isto? Serão todas
assim? Sim, dizem. Mudar de mulher é mudar de endereço. O mesmo dizem elas a
respeito dos homens. Guerra dos sexos? Na velha Grécia Aristófanes já falava
disto.
Escutava só, sem dizer palavras, mas inebriada com as
palavras do sedutor. Um sorriso de prazer e gozo. Cachorra, a mim tu não ouves
assim. Certo momento ela se virou para o jovem.
- O cinema está morrendo? Por que seu amigo acha que todos os
diretores estão ultrapassados? Que fizera o Glauber para ser tido como um
renovador do cinema?
Ele olhou para o marido de soslaio, com menosprezo e um
sorriso malvado nos lábios. Se achegou
e pôs seu pé direito entre as
pernas dela. Cadela! abriu as pernas e o puxou para cima de si. Começaram a se
beijar. Na parede, pendurado, viu o marido
um tesourão de jardineiro. Pegou-o e começou a enfiá-lo no anus dele, sedutor, até
enterrá-lo completamente. Ele
parecia não sentir dor, excitava-se ainda mais. Os dois continuaram se
beijando como se nada tivesse acontecendo. Quando já estava totalmente
empalado, tentou suspendê-lo para tirá-lo de cima dela. Não conseguia. Quis
abrir a tesoura. Grudado estavam e se beijavam, em êxtase, revirando olhos,
gemiam, gritavam. É o inferno, e dizem que não existe, um poço profundo, água e
enxofre, me espera lá embaixo, não quero cair, me seguro nas beiradas, a
alvenaria cede e vou resvalando para o fundo me batendo nas paredes úmidas e
escorregadias. Embaixo me espera Seth. O Senhor do Céu do Norte, vermelho de
pele e cabelo, vestia um saiote amarelo e branco, um corpo fino e delicado, a
cabeça de um chacal, nariz afilado, quadradas as orelhas e compridas, olhos
globulosos, de cauda ereta e comprida. Zurrei como um asno ao chegar embaixo,
onde me esperava Seth com seu cajado. Uma tempestade caiu, as nuvens se
tornaram negras, rugia trovões, relâmpagos fuzilavam, fui atingido nos olhos
por um raio. Ah, um pássaro, para me
levar desta cacimba. Eram os primeiros
momentos da manhã, o fim da madrugada porque o bem-te-vi começara a cantar.