sábado, 22 de setembro de 2018








                                              Solidão não rima com alegria, nem com felicidade. Rima com cão, sofreguidão e uma infinidade de palavras em ão das quais o português é rico e único no mundo a ter este sufixo nominal que, por sua nasalidade, é o terror dos estrangeiros ao pronunciá-lo. Não, eu não sinto solidão, porque gosto de ficar só, desde que tenha qualquer amigo à vista com quem possa conversar. Mas mesmo quando não encontro amigos, saio por aí e puxo conversa com qualquer um e daí a pouco já estou num papo firme. O Holandês não é como brasileiro, mas tampouco é como o alemão ou o francês. Ele até topa um papo com desconhecido. Nunca me esqueço. Cheguei num bar, vi um estrado, um microfone e observei que estava ligado. Parece que adivinhei. Não recordo, comecei a cantar Erev Shel Shoshanim e o patrão veio numa alegria inefável me acompanhar. Não tinha a menor ideia de que fosse judeu, pois o era e daí em diante tinha mais um amigo em Amsterdam.

terça-feira, 18 de setembro de 2018













                            Hoje amanheci com vontade de ler alguém, alguém que me lembrasse d´Amsterdam. Erasmo, por exemplo, não, de Rotterdam, filho do padre  Gerard, com Margareth Rogers, sua governanta (Os padrecos, se dizem celibatários, gostavam do torrado, no Brasil, faziam filhos e os criavam como  afilhados, que hipocrisia). Procurei o Elogio da Loucura, lido alguns anos antes, morava em Gandu. Não o encontrei, na bagunça desta minha biblioteca. Pronto, Benedito Espinoza, este sim, d´Amsterdam. Muito o admiro, talvez pela origem portuguesa, de judeus portugueses, mas o cara é difícil, enfadonho, louco seu estilo. Melhor o humor de Erasmo, que o Espinosa com suas teses herméticas. Parece que ele escrevia para uns poucos, com medo da opinião do populacho, mas nem assim escapou da mediocridade. Sua Sinagoga o excomungou, com apenas 23 anos e o fez amargurar a solidão pelo resto da vida.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018














                                 Hansje Nieuwenhuis, seu nome, me acolheu em sua pousada e fomos como irmãos. Gostava de sua companhia, seu humor dentuço, herdara do Brasil,  mostrando alegre os dentes. Casara com um brasileiro e tinha um filho nascido em Belém, onde morara. Falava das mangueiras, da chuva diária, do Ver-o-Peso. do açaí, outras novidades, para mim. Tão grande o Brasil e nos falam tão pouco dele nas escolas que conhecemos mais a Europa do que nossa própria terra. Uma alienação proposital. Não amar nossa própria terra, não lutamos por ela. Hansje me fez ver que o Brasil é grande, belo e inexplorado. Vocês têm tanta riqueza e vivem na miséria. Vocês deixam os estrangeiros tomar conta do país e levar toda riqueza para fora. Se você imaginar como vive a gente do povo, você tem muita dó. Eu imagino, disse, sou do povo. Só não conheço o povo do Pará, mas posso imaginar.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018












                             Vem doce inferno, incendiar meu coração atormentado pelo nada. Poderás, tu, Prometeu, que me criaste de água e argila, me ensinaste a fazer o fogo, que sempre enganas os  poderosos Deuses, com tuas tramas e adivinhações, poderás, tu, dizer o que me reserva o futuro? Ah, se eu soubera! Estaria eu, agora, pregado em frente a este computador, chorando minhas desventuras? Por certo, foi o ombro que encontrei na frieza deste mundo do espetáculo,  das imagens. Ninguém escuta seu vizinho, passou a inimigo, podem invadir tua privacidade, enquanto tu alardeias, aos quatro cantos,  até a comida que comes.

terça-feira, 4 de setembro de 2018












                     Eu comecei a ouvir o barulho nervoso de suas mãos tocando em tudo, sacudindo tubos, caixas, recipientes, se estavam vazios. Amanheceu com a cachorra. Espírito de Amélia. Vai jogar muita coisa fora. É sempre assim, depois fica procurando e atribuindo aos outros, principalmente a mim, o sumiço. Suas mãos grandes e dedos longos futuca tudo e não me deixa dormir. Eu olho por debaixo da coberta. Pensa que estou dormindo. Reclama, murmura, indigna-se, com as coisas que guardo com tanto carinho. Uma diferença entre nós. O passado e o presente, não digo futuro, o futuro não existe, quando ele chega já é presente e logo passado, sem nenhum valor. Difícil compreender isto, daí a ansiedade. Ansiedade, sim. Incapaz de parar num canto, abrir um livro, ler. Ou mesmo pensar. Assim, se morre mais depressa. Pega um vasilhame, mexe nele, sacode-o e depois pega de uma tesoura,  abre-o. Põe seu conteúdo em um pote. Você não mais vai saber o que é aquilo. Nem ela, porque esquece. Vai na caixa de remédios, começa a recortar as cartelas, deixa um ou dois comprimidos que você não sabe o que é. Tudo perdido,  pra pubele.